domingo, 12 de abril de 2009

Jango: as múltiplas faces

Rodrigo Patto Sá Motta

João Goulart, ou Jango, é um dos personagens mais controvertidos da história brasileira e, por que não dizer, dos mais trágicos também.

Presidiu um governo que mobilizou as esperanças de milhares de pessoas com a promessa de reformar o Brasil e atenuar suas mazelas sociais, mas provocando medo e insegurança em outras parcelas da sociedade, os mesmos grupos que o derrubaram do poder no fatídico 31 de março de 1964.

Dono de imagem polêmica, a suscitar tanto admiração quanto desprezo, a importância de Goulart no contexto que levaria ao golpe é inquestionável, pois suas ações e projetos, mas, sobretudo, a maneira como foram interpretados, desempenharam papel-chave no processo.

Motivados pela percepção de que a memória sobre Jango está agrilhoada aos eventos de 1964, os autores de Jango: as múltiplas faces propõem-se a lançar luz sobre outros pontos da trajetória política do ex-presidente, de modo a permitir uma visão mais ampla. Move os autores, também, o desejo de ir além das apreciações críticas sobre o político gaúcho – para eles, dominantes na literatura e na memória – e revelar as qualidades positivas do líder, que, aliás, explicam sua ascensão.

O livro não escamoteia as críticas dirigidas a Jango (aparecem referências à sua indecisão, inapetência administrativa e quebra do princípio da hierarquia militar), mas destaca seus traços positivos como lealdade (ao varguismo, em especial), talento para a negociação e sensibilidade social. É significativo o fato de que os registros sobre as qualidades de Jango tendam a se concentrar nos primeiros capítulos, dedicados à sua carreira inicial.

Na parte final do trabalho, quando entra em pauta a crise de 1964, sobressaem as análises sobre seus erros e omissões. Ele foi, de fato, político hábil, fiel ao estilo de seu mestre, mas a profundidade da crise política não seria resolvida com o que aprendera na escola varguista, que de pouco adiantou nos momentos cruciais que antecederam o golpe.

O trabalho pretende, nas palavras dos autores, ser uma espécie de biografia aberta, composta com base na seleção de depoimentos. Entre os depoentes, há desde membros do círculo familiar e pessoal a desafetos políticos e líderes do golpe, além de entrevistas que integram o acervo do CPDOC. O resultado é uma coleção de relatos e apreciações sobre Jango, organizados pelos autores de modo a cobrir os momentos principais da sua vida política. O livro ainda traz cartas e discursos do ex-presidente, alguns registros fotográficos e a reprodução sonora de um discurso, fontes a serem interpretadas pelos próprios leitores, no mesmo espírito de biografia aberta.

Os depoimentos trazem elementos novos, ou menos conhecidos, sobretudo no que tange ao período inicial da carreira de Goulart e à fase do exílio. Merecem destaque os relatos sobre o relacionamento de Goulart com os sindicalistas, no início dos anos 1950, e sua atuação como presidente do PTB. Do período pós-1964 até sua morte, em fins de 1976, ressaltam-se as referências ao sofrimento do exílio, dele e da família, que viram as amarguras do desterro associarem-se à angústia da insegurança, pois Uruguai e Argentina, países escolhidos por Goulart, logo seriam convulsionados por episódios de violência política semelhantes aos do Brasil.

O livro traz contribuições importantes para a interpretação do personagem e para o esclarecimento de nossa história recente, e passa a integrar a escassa bibliografia dedicada a Goulart. Aguardemos novos trabalhos, que ajudem a explicar as questões ainda em aberto: qual era, afinal, o projeto político de Jango; desejaria ele uma solução autoritária, como diziam os adversários? Qual a influência efetiva exercida pela esquerda revolucionária em seu governo? Em que medida ele estava comprometido com o projeto reformista, ou seria apenas um expediente tático? Perguntas ainda sem resposta definitiva, elas encontrarão algum dia explicação satisfatória?

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