sábado, 4 de abril de 2009

Bom livro

O sol do Brasil. Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de D. João.
Companhia das Letras, 416 páginas, R$ 55,00
Lilia K. Moritz Schwarcz

(www.companhiadasletras.com.br)

“Os trópicos difíceis de Nicolas-Antoine Taunay”, um dos capítulos mais essenciais do livro da antropóloga Lilia Schwarcz, explora o desacordo entre os princípios formais do artista e o Brasil, ou melhor, o Rio de Janeiro da corte joanina. Mas a idéia de um desajuste que marcaria esse morador da Floresta da Tijuca é fundamental na interpretação da autora: O sol do Brasil afirma a inexistência de uma missão artística francesa que se teria constituído oficialmente a convite do governo luso na América para imprimir a marca neoclássica naquele mundo primitivo e apartado da civilização. A narrativa por todos conhecida estabelece que em 1815 o marquês de Marialva, embaixador extraordinário na França, reúne artistas prestigiados e expostos a represálias devido a seu passado bonapartista. Essa versão começa a ser construída por alguns protagonistas, entre eles Jean-Baptiste Debret, e foi continuamente alimentada pela nascente historiografia brasileira, do século XIX em diante.

Para Lilia Schwarcz, trata-se de uma interpretação que considera a história a partir de um desfecho e, sobretudo, subentende a existência de um projeto. Essa anterioridade e essa premeditação é que estão em jogo, afirma, concordando, de todo modo, com a conveniência, para a corte joanina, da vinda do grupo de franceses. Por outro lado, a versão do convite e o próprio meio de designá-los como uma missão eram mais lisonjeiros para seus membros ante a iniciativa liderada por Joachim Lebreton, do Institut de France.

Essa é uma parte do livro que enfrenta a consolidada fórmula do desembarque francês em 1816; em outros capítulos, entre relatos de viagens e a fuga da Corte para o Brasil, temos as peças que antecedem a trajetória dos que vinham criar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Mas uma outra série de acontecimentos, de ordem artística, informa a trajetória do pintor Taunay, como o compromisso entre a pintura neoclássica e o “elogio da nação”, o primado das paisagens e da pintura histórica.

Ao elogio segue-se o discurso da nação, tributário do sentimento da natureza, mesclado ao tema da história e que identifica o Oitocentos. Aplicar esse gênero, com seus esquemas, tons, proporções e personagens, à cena tropical torna-se o cerne de um desencontro evocado ao longo desse estudo vigoroso. Os excessos das cores e da luminosidade do céu e do sol transbordam da escala de Nicolas Taunay, são mediados pelas recorrências italianas que formam seu repertório imagético, mas o grande obstáculo, o limite mesmo está na escravidão, e por isso “a vegetação será sempre maior que os homens, os quais surgem pequenos, como detalhes perdidos. No seu lugar está o pitoresco da natureza, devidamente inflacionada de forma a reduzir o papel e o lugar da escravidão; quase uma cena calada e acessória”.

Nas legendas das reproduções que integram o livro e ao longo do texto, esse estranhamento é analisado a partir das telas do artista recortadas em seus detalhes, que são ampliados, o que, além de um recurso para o exame das obras, incide sobre a habilidade do pintor em produzir figuras miniaturizadas. Entre as 45 obras de sua fase brasileira, Taunay retratou o Rio de Janeiro em imagens mediterrânicas, árcades, com luz amarelada. Nesses e em outros quadros, os escravos aparecem como borrões indefinidos e diminutos, mas, constantes, expressam a ambigüidade de sua condição naquela sociedade e para o próprio artista. Sua presença numerosa, dirá a autora, é também sintoma de uma falta, lacuna ainda perceptível no encontro da natureza americana com a Revolução e na melancolia investida nos retratos de D. Maria Teresa e de D. Maria Isabel. Aqui, em contrariedade ao realismo do gênero, as princesas expressavam “a estranheza da monarquia momentaneamente estacionada nos alegres trópicos americanos”.

Cláudia B. Heynemann é pesquisadora do Arquivo Nacional.

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